Outorgado pelo rei D. Manuel I, o Venturoso, a 10 de setembro de
1516, o Foral de Vila do Conde é um diploma onde se encontram
regulamentados todos os tributos e taxas a pagar ao Donatário – no caso
de Vila do Conde era Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde –
provenientes da agricultura, pesca e comércio. Também ao Mosteiro de
Santa Clara (fundado em 1318 por D. Teresa Martins (tetraneta de D.
Maria Pais Ribeiro) e D. Afonso Sanches (filho ilegítimo de D. Dinis)
pertenciam as azenhas e a barca de passagem no rio. Como noutras terras
senhoriais, o Mosteiro detinha a jurisdição, a dada de ofícios, bem como
os foros e os direitos reais.
Apesar de alguma bibliografia defender a existência de um foral
dionísio (tradicionalmente apontado como de 10 de fevereiro de 1296)
estamos em crer que tal não aconteceu e a localidade de Vila do Conde a
que se refere o documento não é esta Vila do Conde localizada a sul da
Póvoa de Varzim e a norte do rio Ave. Desde logo, sendo este um senhorio
particular de Maria Pais Ribeiro e seus descendentes não era provável a
emissão de um foral régio. Por outro lado, no treslado existente na
Torre do Tombo relativo a esse foral, na Chancelaria de D. Dinis, existe
uma anotação que refere “ Isto é em Trás os Montes junto ao rio Tuela
não longe de Mirandela”. Se atentarmos ao Cartulário do Mosteiro de
Santa Clara, encontraremos a referência a uma outra carta de foro, de um
reguengo que D. Dinis tinha em Vila do Conde, a 23 povoadores, sendo
que os termos identificados do reguengo são: “parte do Ribeiro de
Cavaleiro Alvo, como entra no Mondego; e da outra parte pela estrada,
como vai da Sovereyra das Lageas; e como vai ao Ribeiro do Carregal e
vai entrar no Mondego”. Trata-se portanto de um reguengo localizado na
Beira, junto ao Mondego. Ou seja nenhuma das duas cartas de foral de D.
Dinis que referem Vila do Conde são relativas a este burgo. Certo é que o
foral de D. Manuel refere claramente um foral, assim como nas atas de
vereação de 1509 e 1511, aquando da realização do inventário dos bens do
Concelho - face à nomeação de nova vereação - é referida a existência
do foral do concelho na arca “Item o forall do conçelho ./. per honde ho
mosteiro had’aver seu direito”.
“… Achamos vista a doação do rei D. Sancho I a D. Maria Paes Ribeyra e
seus filhos e assim o foral e tombo e inquirições pelo que os tributos,
foros e direitos reais se devem e hão-de arrecadar a pagar na dita vila
daqui em diante maneira e forma seguinte: Mostra-se pelo dito foral e
tombo o qual estava na arca do concelho, que as rendas do dito lugar
foram dadas por D. Sancho o primeiro deste nome e o segundo rei deste
reino, a D. Maria Paes Rybeira e seus filhos…(adaptado do foral
manuelino de 10 de setembro de 1516)”. Amélia Polónia [Vila do Conde: Um
porto nortenho na expansão ultramarina quinhentista] adianta que
“foral, enquanto diploma normativo das relações definidas entre os
habitantes de uma localidade, e entre estes e a entidade outorgante,
deveria, de facto, ter sido atribuído a Vila do Conde por um dos seus
senhorios, provavelmente ainda laico, isto é, num momento anterior à sua
incorporação nos bens do Mosteiro de Santa Clara. Acerca do conteúdo
desse diploma, assim como da data precisa da sua outorga, nada
poderemos, todavia, adiantar no estado atual dos nossos conhecimentos”.
Uma carta de foral, ou foral, era um documento emanado pela coroa e
que procurava estabelecer um concelho, regulando a sua administração,
deveres e privilégios. A Idade Média foi a época de ouro dos forais.
Numa altura em que importava povoar o território português, reis e
senhores outorgavam estes documentos, constituindo verdadeiras cartas de
fundação de povoações que garantiam a autonomia dos concelhos. Já na
Época Moderna, D. Manuel, não sendo o inventor dos forais, ficou, de
forma indelével, a eles associado, face à reforma que deles promoveu. De
facto, as lutas de interesses desiguais entre senhorios e o povo levou a
abusos de poder, por vezes gritantes. Em muitos casos os senhores,
sabendo que o seu exemplar de foral era único, modificavam o conteúdo de
alguns diplomas, alterando frases ou substituindo-as, sempre em seu
favor. Acrescente-se todas as alterações sócio-económicas, sobretudo no
século XV, e torna-se clara a necessidade de uma revisão dos forais, o
que nunca seria uma tarefa fácil ou rápida. Data de 1430 o primeiro
documento levado às Cortes, no tempo de D. João I, que dá conta do
descontentamento que reinava entre os lavradores nortenhos.
Nos reinados seguintes, de D. Afonso V e D. João II, continuavam os
clamores que davam conta dos forais abusivamente alterados e que tinham
perdido credibilidade. Senhorios leigos e eclesiásticos cobravam os
impostos abusivamente. Apesar das indicações de D. João II para recolha
dos forais para análise e correção, esta tarefa árdua caberia ao seu
sucessor, D. Manuel I.
O monarca delineou, então, uma estratégia de recolha de todos os
forais, escrituras e tombos dos povoados, seguida de averiguações e
inquirições. Foram ouvidos senhores e foreiros, esclarecidas dúvidas e
emanados pareceres. A reforma manuelina dos forais deve ser compreendida
num vasto programa de reformas levadas a cabo pelo monarca, que visavam
modernizar o reino, mas, simultaneamente, reforçar e centralizar o
poder régio. Ainda assim, é reconhecida a administração municipal como
parceira do poder real e de garantia dos súbditos, já que a resolução
régia de 1504 determinava que fossem efetuados três exemplares de cada
foral concedido: um para a Câmara do Concelho, outro para o Senhorio ou
Donatário do mesmo e, finalmente, um para a Torre do Tombo. No caso de
Vila do Conde, este último exemplar foi substituído por um treslado de
Leitura Nova, e que consta do Livro dos Forais Novos de Entre Douro e
Minho, fl. 14v a 17, que se encontra na Torre do Tombo.
O Rei nomeou uma comissão especial, constituída pelos doutores Rui
Boto, Chanceler-mor do Reino, João Façanha, Desembargador, e por Fernão
de Pina, Cavaleiro da Casa Real, tendo este último estado em Vila do
Conde, mais do que uma vez, para esclarecer dúvidas e colmatar falhas de
informação, como se lê na atas de vereação de 1502. Depois, com base no
material recolhido, organizavam-se os processos, que seriam
posteriormente submetidos ao despacho da Comissão. A redação final
estava a cargo do escrivão da Chancelaria e dos seus ajudantes, que, uma
vez concluído o seu trabalho, o enviavam à casa do Chanceler, que o
fazia selar na sua presença; daí era levado à casa do escrivão, que
lançava no documento a nota dos respetivos custos.
Concluído o diploma, Fernão de Pina procedia ao registo no livro da
Chancelaria. Seguia-se, finalmente, a “consulta pública”: os forais eram
levados a cada uma das respetivas localidades, e, convocadas as
autoridades locais e o povo, procedia-se à última formalidade do
processo, a “publicação”, exigida para que o documento obtivesse força
de lei e todos fossem obrigados a acatá-lo. Após a publicação, podiam
ser apresentados embargos. Além dos concelhos a que os forais se
destinavam, eram também ouvidos, quando fosse o caso, os respetivos
donatários. Por esse motivo, alguns forais contêm adendas que explicitam
dúvidas relativas ao seu conteúdo ou dão resposta a reclamações
apresentadas pelas partes.
O processo de elaboração dos forais manuelinos iniciou com o de
Lisboa, em 1500, prosseguindo com os do Algarve, continuando depois até
ao norte, sendo, de modo geral, os do Minho os últimos a merecer a
atenção da comissão nomeada por D. Manuel, terminado esse processo em
1520. Na totalidade foram outorgados 605 forais.
Dos forais de leitura nova faz parte o Foral de Vila do Conde,
outorgado por D. Manuel, em Lisboa, a 10 de setembro de 1516 (nesse ano
foram outorgados 31 forais) e cujo exemplar do Concelho se encontra
preservado, no Arquivo Municipal de Vila do Conde. Está redigido em 18
fólios (de pergaminho).
Em 1504, D. Manuel dá indicação dos 3 tipos de forais, começando por
aqueles «escriptos em pergaminho iluminados encadernados com brochas e
coiros e os lugares principaes com espera [esfera] da divisa dourada»,
sendo esta tipologia a mais relevante e a correspondente ao caso de Vila
do Conde.
Segundo Maria José Bigotte Chorão "Está por estudar em que medida a
riqueza dos rostos dos forais reflecte - se é que reflecte - as relações
do rei com os vários senhorios", mas a ser verdade, poderá ser essa a
justificação.
O fólio inicial apresenta uma cercadura ornamentada com motivos
vegetalistas - cravos, margaridas e ranúnculos (?) - e representações de
animais – no caso um caracol -, encimada pelas armas reais ladeadas por
esferas armilares, e uma faixa horizontal com a indicação de D. MANVEL e
teve um custo de execução de 1065 reais. Curiosamente, o exemplar
executado para o Senhorio, no caso o Mosteiro de Santa Clara, apresenta
algumas nuances na portada do foral e encontra-se à guarda da Biblioteca
Nacional.
(Texto via http://www.cm-viladoconde.pt)
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